quarta-feira, 26 de julho de 2017

Cervejas artesanais: das caseiras do Leonardo Soares às microcervejarias

Aquallungi, uma autêntica cerveja artesanal Belgian Tripel, do Leonardo Soares

Uma pausa hoje para explicar alguns conceitos que tenho utilizado que podem confundir um pouco.

Basicamente, o foco deste blog são cervejas artesanais e assuntos correlatos. Mas o que viria a ser cervejas artesanais? O que quero dizer como isso? Quais seriam os preceitos fundamentais para que eu denominasse uma ou outra cerveja como artesanal?

Capa do Livro citado de Steve Hindy
Bem, vamos com calma. Há uma série de definições, uma mais restritivas e outras mais abrangentes, mas para efeito do presente blog, pretendo adotar a definição de que cervejas artesanais são aquelas cujo cervejeiro é o responsável direto pela receita e pelo seu estilo. Não está lá apenas cumprindo uma determinação externa, provenientes de uma estrutura hierárquica. Para ir mais longe, podemos ainda citar a definição utilizada por Steve Hindy |(autor do livro Revolução da Cerveja Artesanal) de que as cervejarias artesanais devem manter-se pequenas, "ser independentes e todas as cervejas devem ser de malte (em lugar de aditivos de arroz e milho usados pelas grandes cervejarias)" [1]. Nesse sentido, cervejarias que iniciaram independentes, mas foram adquiridas por alguma grande corporação, como a Eisenbahn ou a Wals, não considero como artesanais.

Isto posto, temos um grande universo de cervejeiros artesanais. Entretanto, há diferenças nesse meio. Basicamente podemos dividir as artesanais em dois grandes grupos: os cervejeiros caseiros e as microcervejarias. Essa divisão aqui adotada não tem a pretensão de ser uma linha definitiva e instransponível, nem tampouco considero a única conceituação aceitavel. A transformação de um cervejeiro caseiro em microcervejaria pode ocorrer de forma gradual. Muitas das que tenho citado aqui encontram-se no meio do caminho entre caseiras e microcervejarias. 

Os cervejeiros caseiros são aqueles que fazem cerveja em suas próprias residências, com pouco espaço, investimento menor ainda e muita (mais muita mesmo) criatividade. Fundamentalmente são amadores, ou seja, possuem uma outra atividade profissional e tem, na brassagem, muito mais um hobby, ainda que levado cada vez mais a sério. Trata-se de um grupo que tem crescido exponencialmente e está sempre em busca de ampliar seus conhecimentos, fazer cursos, se aprimorar.

Um exemplo clássico de cervejeiro caseiro em Curitiba é Leonardo Soares. Geólogo da Intertechne, descobriu em outubro de 2011 que era possível fazer cerveja em casa quando conheceu a Hop'n Roll. Desde então, comprou o equipamento necessário, fez as devidas adaptações e resolveu transformar a garagem do sobrado onde reside em sua própria cervejaria. Em 2015, quando eu comecei a me interessar em fazer cerveja em casa, tive a oportunidade de acompanha-lo na brassagem de uma Belgian Tripel, batizada de Aquallungi. Cerveja, aliás, que ficou muito boa, com aroma cítrico e bem equilibrada.

A estrutura que ele preparou me surpreendeu: em um pequeno espaço organizou tudo meticulosamente, e apresentava uma disposição perfeita de cada equipamento. Como cereja do bolo, a receita copiada em giz na parede pintada com tinta de lousa. Nos fundos da casa, uma velha geladeira adaptada para ser o fermentador.

Leonardo Soares (camiseta branca) em sua cervejaria na própria garagem
Tal como outros caseiros, Léo tem sempre procurado se aperfeiçoar fazendo cursos e se capacitando também para julgar cervejas (já obteve certificado da BJCP). Enfim, é um estudioso do tema. Sua produção acaba sendo mais para seu próprio consumo, além de repassar a amigos. Até hoje já foram 52 levas de cervas, além de um hidromel. 

Como bom cervejeiro caseiro, tem sempre um toque de irreverência. Quando sua primeira filha nasceu, ele fez uma baltic porter que transformou em lembrancinha para quem visitassem a filha, com as garrafas batizadas com o nome dela e uma pintura de aquarela feita por sua esposa no rótulo.

Desde então, ganhou o primeiro prêmio com uma tripel, obteve um 3°lugar nas belgas em 2015 e o outro em 2016 com uma strong bitter inglesa, primeiro lugar na categoria e 3° no best of show, ambos concursos paranaenses

Em termos de organização, muitos desses cervejeiros caseiros são associados à Acerva, no caso do Paraná, Acerva-PR, que serve como uma espécie de rede de cervejeiros e contribui para que comprem insumos em consumo, obtendo melhores preços. Além disso, sempre se encontram em diferentes cursos ou concursos.

Já as microcervejarias são aquelas já mais estruturadas, com um investimento bem maior e seus responsáveis são profissionais dessa atividade. Vivem de fazer cerveja. Essas microcervejarias são detentoras de rótulos já disponíveis em mercados (já conseguiram registro no MAPA) e conseguem atingir um público maior até mesmo fora de suas sedes. Acabam tendo um papel importante na divulgação de cervejas artesanais. Em Curitiba e região há um grande universo dessas microcervejarias, tais como a Bodebrown, Way, Bier Hoff, Dum, Klein, etc.

Obviamente não estou aqui fazendo um tratado e essas definições tem pura e simplesmente um caráter didático, sujeito a questionamentos. Como sociólogo, não me sentiria à vontade em continuar escrevendo sobre um tema tão fascinante, sem conceituá-lo minimamente. O que importa aqui é que tanto os cervejeiros caseiros como as microcervejarias mais estruturadas, podem se enquadrar como cervejas artesanais no meu conceito adotado e, juntas, fazem parte de revolução em curso. 

Um brinde a todos artesanais que aqui se enquadram.



Nota:  [1] HINDY, Steve. A Revolução da Cerveja Artesanal, ed. Tapioca, 2014.





sábado, 15 de julho de 2017

Revolucionários artesanais: Julio Rossi e sua Volante Birra



Volante Birra [1]

Em abril desse ano, estive em um evento noturno na Sapatilha Colorida, moderna loja de calçados situada no Alto da Glória, e me deparei com uma bela kombi retrô estacionada na frente, que trouxe cervejas artesanais. Tratava-se da Volante Birra (clique aqui para mais informações)

Torneiras da Volante Birra no evento
Para dar conta da diversidade de público, havia cinco opções de estilos e marcas de cervejas artesanais distintas do Paraná:

  • Pilsen, da Nashville
  • Weiss, da Oner
  • Apa, da Insana
  • Dry Stout, da Oner; e
  • IPA (não me recordo o nome da microcervejaria).
Julio Rossim [1]


Seu proprietário é Julio Rossi, roqueiro, tricolor carioca e apaixonado por cachorros, é também um grande apreciador de cervejas. Fotógrafo e músico, ele começou a pesquisar e testar as primeiras receitas de cerveja no começo de 2015. Toda a facilidade que se tem hoje de encontrar equipamentos e insumos acabou ajudando-o a ingressar nesse meio. Fez um curso básico de produção de cerveja com extrato e ingressou de vez no meio cervejeiro.

No final de 2015, realizou um antigo sonho e adquiriu uma kombi antiga. Após 8  meses reformando-a, acabou deixando nos trinques e transformou-a na Volante Birra, um loja móvel que junta duas paixões: a cerveja artesanal e kombi antiga.A sua ideia com a Volante Birra é participar de eventos em diferentes lugares e divulgar cervejas artesanais de estilos diferenciados para um público ainda não tão familiarizado em muitos casos. Com isso, acabou se transformando em mais um personagem do mundo cervejeiro de Curitiba e região.

A Volante Birra busca equilibrar o gosto de seus cervejeiros com o do publico em geral conforme o evento, mas se tem uma cerveja que faz questão de disponibilizar é uma boa American IPA. Em algumas ocasiões, a Volante Birra já chegou a engatar cervejas de produção própria chamada Tropicália (nome muito feliz, por sinal). Tendo o cuidado de não avisar o público (para não influenciar nas opiniões) Júlio percebeu que as reações foram muito positivas. Como ele e seus parceiros gostam do ritual das panelas, isso acabou servindo como bom pretexto para juntar a galera e beber enquanto fazem diferentes variações de IPAs, ainda que a produção, por ora, se resuma a uma receita por mês.
Volante Birra em evento [1]

Nesse processo de produzir IPAs, tem uma história interessante. Após experimentar uma West Coast IPA (estilo que se caracteriza pelo uso excessivo de lúpulo em microcervejarias da costa oeste dos EUA), passou a ter como objetivo criar alguma receita que se aproximasse desse estilo. Em uma brassagem sem compromisso com um amigo, se distraíram e erraram feio a quantidade de água da receita. Mas para não desperdiçar, resolveram pagar pra ver e, depois de um tempo maturando, experimentaram e perceberam que tinha ficado muito boa, embora diferente do que se pretendia. Estudaram um pouco, fizeram testes e chegaram à conclusão que a pretensa West Coast IPA tinha se transformado uma excelente Session IPA (uma IPA mais leve, menos alcoólica e com menor amargor), cerveja da Tropicália com melhor retorno do público. Isso enfatiza um aspecto divertido do de cervejeiros caseiros: por não estarem preso a regras, é possível experimentar e errar bastante cada receita.

Júlio é um otimista em relação à revolução da cerveja artesanal em curso. Como consumidor, percebe que cada vez há maior disponibilidade de cervejas de diferentes rótulos e estilos. Abrem-se novos bares e criam-se novas cervejas de qualidade, ampliando o público interessado que cada vez mais migra das insonsas cervejas industrializadas feitas com milho para as cervejas artesanais. E como esse mercado tem-se ampliando, como distribuidor de cerveja ao melhor estilo retrô que caracteriza sua kombi, ele continua muito animado.

Que a Volante Birra continue rodando muitos quilômetros para difundir ainda mais a cultura cervejeira.


Nota [1]: as fotos dessa nota  foram obtidas na página do Facebook da Volante Birra (https://www.facebook.com/volantebirramobile/)






terça-feira, 4 de julho de 2017

Revolucionários Artesanais - Henrique Cruz "Giraia"

Henrique Cruz "Giraia", na brassagem

Hoje começaremos aqui a série Revolucionários Artesanais, que apresentará perfis de cervejeiros que têm desenvolvido um trabalho importante na divulgação da cerveja artesanal de diversas formas.

Há cerca de três meses, curioso a respeito dos concursos cervejeiros e incentivado pelo amigo cervejeiro já premiado Leonardo Soares, acabei me inscrevendo em um grupo de estudos para avaliar cervejas pelo Guia Beer Judge Certification Program - BJCP. Trata-se de uma galera que realiza encontros quinzenais para degustar de 7 a 10 cervejas de diferentes estilos visando preencher a súmula da BJCP e, em seguida. compartilhar as impressões e avaliações. Além de aprimorar a percepção em relação a cada estilo, serve para aprendermos mais ainda sobre suas características e nos atualizarmos com o Guia 2015. Esse grupo começou se reunindo na Masmorra e, posteriormente, migrou para a Mr. Hoppy.

E quem organiza isso tudo, correndo atrás das cervas, reservando espaço, juntando a grana da galera para compras, tirando cópias das súmulas, etc? É o Henrique Cruz, conhecido como Giraia, cervejeiro, juiz BJCP e figura cada vez mais conhecida no meio.

Grupo de Estudo para juízes da BJCP, organizado pelo Giraia

Certamente por trás disso, tem uma motivação muito particular. No caso do Giraia, o interesse por cervejas especiais e artesanais  começou entre 2006/07, quando foi fazer um intercâmbio na Bélgica por um programa do Rotary e conheceu de perto uma das principais escolas cervejeiras do mundo. Anos depois, já de volta à Curitiba, formado como tecnólogo em jogos digitais, passou a realizar diversos cursos na área cervejeira, a começar pelo já reconhecido curso de produção de cerveja na panela na Bodebrown em 2013 e o de Sommelier de Cervejas da Universidade Positivo (onde atualmente leciona). Depois disso, fez ainda diversos cursos pontuais, com destaque para a Pós graduação em Gestão e Tecnologia Cervejeira.

As duas cervejas da Hump já lançadas
E junto com o interesse, foi crescendo sua efetiva participação na divulgação do movimento cervejeiro. Em 2016, durante  o South Beer Cup, motivado por Fernanda Lazari da Morada Cia. Etílica (microcervejaria de Curitiba),  participou de uma competição de plano de negócio de cervejas. Foi quando surgiu a ideia de desenvolver a marca Hump, cujo nome decorre de histórias que escutava de Guilherme Comineze durante a pós em relação a um amigo de seu pai que criava camelos em Curitiba (isso mesmo!). Com o segundo lugar obtido na competição, Giraia se motivou ainda mais, contratou um designer e levou o projeto da Hump em frente até que em abril conseguiu lançar dois estilos: American Pilsner e American Pale Ale através de uma parceria com o Clube do Malte. Eu mesmo tive a oportunidade de degusta-la na Masmorra a versão no barril e gostei muito. O objetivo dele agora é finalizar questões legais e de investimento para regularizar o processo de produção e distribuição.

Paralelamente ao seu gosto por fazer cervejas, surgiu o interesse em julgá-las e, consequentemente, o interesse em se aprofundar na BJCP. Em 2015, quando  mandou amostras de suas cervejas caseiras pela primeira vez, passou a estudar para avaliar as cervejas e desde então, sempre que pode tem participado de concursos. Aprofundou seus conhecimentos, passou na prova da BJCP e começou a atuar também como juiz. Por ora, como Certfied (com 78 pontos), mas aguardando novos resultados, acredita passar logo dos 80 pontos, visando se preparar para a prova de NationalUma dificuldade para ampliar não só a sua participação, mas a de outros juízes bem qualificados é o aspecto amador, que faz com que cada um tenha sempre que arcar com os custos dessas participações, sem que os concursos banquem sequer hospedagem ou transporte, algo que já ajudaria muito.

Foi a partir desse seu comprometimento com concursos e com a melhoria de julgamentos que resolveu incentivar a formação de novos juízes através da criação de grupos de estudo (como esse que estou participando) ou até mesmo constituindo cursos específicos. 

Logo da Confrades
Com o perfil dinâmico característico dos protagonistas do cenário cervejeiro, em meados de 2016, quando seu colega (e agora sócio) LG o procurou apara promover um evento cervejeiro, surgiu a ideia de constituir a Confrades Beer Club.

Depois de um tempo moldando o projeto, agora - na metade de 2017 - a Confrades está saindo do papel. O objetivo da Confrades é ser uma espécie de hub cervejeiro, interligando a rede cervejeiras e realizando eventos como, por exemplo, atendimento a eventos in company , cuja demanda é cada vez maior.

Sob a cabeça criativa de Henrique Cruz, a ideia é criar uma espécie de clube, com uma anuidade para quem quiser ser membro e obter vantagens como descontos em estabelecimentos cervejeiros parceiros, além de oferecer uma vasta quantidade de cursos de diversas duração para todos os públicos, sempre focados no universo das cervejas. De fato, hoje há uma lacuna em relação a esses cursos básicos, já que o mercado oferece apenas algo mais específico, como curso de sommelier, que leva 40-50h aula.

Ou seja, temos no Giraia um personagem que joga nas onze: faz cerveja, julga a qualidade, dá cursos e organiza eventos no cenário cervejeiro. Que toda essa energia do Giraia contribua ainda mais para canalizar forças em torno da verdadeira revolução das cervejas artesanais em curso.  


Nota: todas as fotos foram obtidas na página do facebook do Henrique Cruz:
https://www.facebook.com/giraiacruz/photos_albums?lst=1157563379%3A100000608827247%3A1499220426


domingo, 11 de junho de 2017


Um bom termômetro para se ter a dimensão da importância das cervejas artesanais é o número de eventos, cada vez mais frequentes, relacionados diretamente às cerva caseiras ou provenientes de microcervejarias.

Só nesse final de semana, em Curitiba e região, tivemos dois: 

Entre os dias 7 e 10 (sábado), ocorreu em Colombo o Cout Beer Festival, que segundo cartaz de divulgação, seria a festa caipira mais rock'n'roll de todos os tempos. Um dos destaques desse festival seriam cervejas artesanais. Infelizmente não pude comparecer.

Hoje, dia 11/6, está ocorrendo a 3ª edição da EQ Beer Festival. no Pedrão Lounge Bar (perto do Centro Politécnico). O foco desse evento é dissemir a cultura cervejeira de oito grandes cervejeiros de engenharia química. E contará ainda com apoio da galera da Rádio Treze. Vale a pena averiguar. Eu vou checar!

Em Campinas, ontem, a Toca da Mangava lançou a Fly me to the Moon, uma Barleywine produzida especial para o inverno. Relatos de quem esteve lá confirmam que vale muito a pena conhecer. 

Com a correria do dia-a-dia, acabei não divulgando a tempo. Mas a ideia é reestruturar o blog para que sirva também de agenda em uma aba específica. Aguardem que em breve teremos mudança por aqui. 


segunda-feira, 5 de junho de 2017

Dia da Cerveja Brasileira



Dia 5 de junho é o Dia da Cerveja Brasileira. Esse dia foi escolhido em 2012, para celebrar Ruprecht Loeffler, conhecido como "Seu Lefra", falecido em 2011 aos 93 anos, da Cervejaria Canoinhense.

Trata-se da cervejaria artesanal considerada a mais antiga do Brasil. Fundada em 1910, em 1924 foi adquirida por Otto Loeffler e desde 1939 passou a ser administrada por Ruprecht, seu filho, a Cervejaria Canoinhense teve sua história retratada nesse curta. Vale a pena conferir para celebrar o Dia da Cerveja Brasileira.





Direção: Demétrio Panarotto, Guto Lima, Luiz Henrique Cudo
Sinopse Curta-Metragem: 
Rupprecht Loeffler foi um senhor de 93 anos de idade. Sua profissão? Mestre cervejeiro. Ele e sua cervejaria, a "Canoinhense" são os personagens deste documentário. 
Prêmios e Festivais:
Prêmio Cinemateca Catarinense/Fundação Catarinense de Cultura de 2008
Faial Filmes Fest 2010 – Festival de Curtas das Ilhas (Azores Short Film Festival)
17º Vitória Cine Vídeo
Curta Cinemateca Especial - Cinemateca Brasileira

sábado, 3 de junho de 2017

Cerveja é filme!

Michael Jackson, o caçador de cerveja (não confundir com outro) [1]

Para quem tem alguma dúvida de que cervejas artesanais estão realizando uma verdadeira revolução, basta observar como esse tema tem sido cada vez mais retratado em filmes e documentários.


Provavelmente o marco nesse processo tenha sido o The Beer Hunter (O caçador de cerveja) que Michael Jackson fez em 1989 para o Discovery Channel. Obviamente não estamos falando aqui do rei do pop mundial, mas sim outro, inglês, ícone do mundo cervejeiro. Autor de diversos livros sobre cerveja, a começar com o best-seller (nunca traduzido em português) The World Guide to Beer, o primeiro guia que abordou o tema, publicado em 1977, Michael Jackson viajou o mundo atrás de segredos de cervejas e acabou desempenhando um papel fundamental para a valorização de diversos estilos e de cervejas locais.  

The Beer Hunter, disponível inclusive legendado no YouTube  (www.youtube.com/watch?v=IvAsgugPbCE&t=946s), possui seis episódios, cada um abordando as particularidades de cervejas de alguma região do mundo. No primeiro, em visita à Bélgica, apresenta o universo das Lambics, cervejas de fermentação espontânea. No segundo, ele explora a tradição cervejeira da Baviera, na Alemanha. No terceiro, ele explora o país com maior consumo per capita de cerveja do mundo: a República Tcheca (na época ainda como Tchecoslováquia), onde desvenda, entre outros segredos, a tradicional fábrica da Pilsner Urquell. No quarto visita o Monastério de Koningshoeven, único produtor de cervejas Trapistas situada na Holanda. No quinto episódio, Michael Jackson cruza o Atlántico e vai para a Califórnia, investigar a Anchoer Steam, verdadeira jóia rara das cervejarias artesanais. E no último episódio, ele retorna à Inglaterra para o evento anual que serviu de inspiração para o renascimento das tradicionais real ales ingleses. 

Embora seja um documentário com quase 30 anos, acabou desempenhando um papel fundamental para a valorização da cultura cervejeira. Falecido em 2007, dois anos antes do ídolo da música pop, Michael Jackson (o cervejeiro) foi certamente umas das figuras mais marcantes da história do mundo das cervejas.

Para não ficar atrás, a National Geographic também resolveu investir em documentários sobre cerveja, mas optou pelo caminho oposto: optou por documentar duas gigantes do mundo em uma série chamada “Megafactories”: a irlandesa Guinness e a holandesa Heineken. Sem ser tão interessante como a série com Michael Jackson, o documentário da National Geographic acaba apelando para cervejas mais comerciais (www.dailymotion.com/video/xs8bod_national-geographic-megafactories-heineken_tech).

Cartaz de "Como a Cerveja Salvou o Mundo" [2]
Outro documentário interessante e bem-humorado é “Como a Cerveja Salvou o Mundo” (www.youtube.com/watch?v=xO53rQ9nqQs), produzido pela Discovery Channel também. O filme faz uma viagem pela história da humanidade para demonstrar que, em vários momentos, a cerveja desempenhou um papel fundamental. O primeiro feito da cerveja foi dar condições para que os humanos se fixassem em algum local, já que o objetivo da revolução agrícola que permitiu que se cultivasse grãos como a cevada seria a produção da cerveja e não o pão. O pão que seria uma cerveja sólida (e não o contrário como dizem por aí). Em seguida, são relatadas a influência direta da cerveja em outros momentos cruciais, como a escrita (uma forma para perpetuar receitas de cervejas), a substituição da água infectada durante a idade média, o processo de pasteurização, a refrigeração e até mesmo a indústria moderna, entre outros. Exagero ou não, o fato é que o documentário, além de entreter, serve como ótima justificativa para que a gente continue a louvar a cerveja nossa de cada dia.

Recentemente, a Netflix disponibilizou em seu cardápio, no meio de séries e filmes que chamam atenção do grande público, “Novos Mestres Cervejeiros” (do original em inglês “Crafting a Nation”), que aborda o universo e os bastidores de cervejeiros artesanais em diferentes cidades dos EUA, documentário esse que já foi abordado no Revolução Artesanal.

Um dos muitos casos relatados nesse documentário refere-se à cervejaria Schlafly, que em 1991 teve a audácia (digamos assim) de se estabelecer em Saint Louis (Missouri), cidade que serviu de porta de entrada do meio-oeste americano, onde funciona a sede mundial da Budweiser (hoje Anheuser-Busch InBev – AB InBev, a gigante do setor de dispensa apresentações).

Por trás desse confronto Schlafly x Anheuser-Busch InBev, podemos identificar uma verdadeira guerra em curso entre as microcervejarias e a grande indústria cervejeira. Esse cenário é bem retratado também no documentário “Beer Wars”, dirigido por Anat Baron, que apresenta provas de ação de lobistas para prejudicar as cervejarias artesanais. Embora se passe nos EUA, certamente retrata questões muito familiares ao universo cervejeiro local.

No Brasil, particularmente, o caso da histórica cerveja Canoinhense, talvez uma das artesanais há mais tempo no mercado foi objeto do curta “Cerveja Falada” (www.youtube.com/watch?v=YaNWFGVns60), que relata a história de Rupprecht Loeffler (conhecido como "Seu" Lefla), mestre cervejeiro com 93 anos de idade na época do documentário. Uma verdadeira viagem no tempo que merece uma postagem especial assim que eu experimentar suas cervejas como “Nó de Pinho” ou “Jahu”.
Cartaz do Curta "Cerveja Falada" [3]

Por fim, esses documentários trazem histórias de vida que podem servir de inspiração para cervejeiros caseiros seguirem em frente. Parafraseando a canção do Cordel do Fogo Encantado que serviu de tema para o filme “Lisbela e o Prisioneiro”, cerveja é filme (....eu sei pelo cheiro de malte e lúpulo que dá quando a gente toma).

Notas:
[1] Imagem acessada em http://philly.thedrinknation.com/articles/read/6614-Kick-in-a-Few-Bucks-for-the-Michael-Jackson-Beer-Hunter-Movie
[2] Imagem acessada em http://www.imdb.com/title/tt1832368/
[3] Imagem acessada em https://www.youtube.com/watch?v=65VfM6X43Aw 

sábado, 27 de maio de 2017

Cerveja Joaquim: unindo trash metal com bons livros e discos!

Joaquim Session IPA, adquirida na livraria e degustada em casa
Em Curitiba, na região central, bem perto do prédio histórico da UFPR, funciona a simpática e autêntica Joaquim Livros & Discos. Trata-se daqueles espaços que, antes de tudo, é um símbolo de resistência. Em um mundo cada vez mais dominados por vendas online e grandes redes de livrarias, vejo com muito bons olhos os espaços cujos vendedores são, antes de tudo, "livreiros". Fazem questão de conversar com os clientes, conhecem o que estão vendendo, tem conhecimento sobre os autores e também sobre aqueles discos de vinil que estão à venda. 

Foi esse cenário que acabou conquistando Leonardo Barzi. Baixista que trouxe pra Curitiba a Mercy Killing, uma das mais tradicionais bandas de trash metal do Brasil, quando veio de Salvador pra cá no início dos anos 2000,  Leonardo se identificou com esse espaço quando garimpava vinis e tornou-se um assíduo frequentador da Joaquim, chegando a levar a banda para tocar nesse pequeno mas aconchegante espaço (frequentemente a  Joaquim promove shows e bate-papos com artistas dos mais diversos naipes - procurem o canal "Joaquim Apresenta" no Youtube). Pode-se conferir a apresentação do Mercy Killing na Joaquim aqui: https://www.youtube.com/watch?v=vSHhNuzfwhw

Apresentação do Mercy Killing na Joaquim (Leonardo Barzi é o primeiro à esquerda) [1]

Paralelamente, ele, que até então não tomava cerveja, passou a apreciar cada vez mais o vasto universo cervejeiro em Curitiba. Enquanto preparava o disco da Mercy Killing, fez amizades no estúdio com uma galera que estava fazendo cerveja. Foi o impulso que faltava. No final de 2013, sua esposa adquiriu um kit de fabricação baseada em extrato na Bil Bil Beer (loja especializada para quem quer fazer cervejas em Curitiba) e com o tempo e ajuda de seu "guru" Vinícius Brandão, Leonardo passou a mexer com receitas all-grain até chegar a produzir cervas para pessoas de fora. 

Aproveitando-se da relação que tinha com o staff da Joaquim, Léo resolveu disponibilizar algumas de suas cervejas na  livraria para testar a clientela. Primeiro com The Weizen Zone e a Charlie Brown Ale e a Let's Rock Rock Wear (batizadas para celebrar o que ele gostava de assistir na infância). Como deu certo, surgiu a ideia de fazerem uma produção exclusiva, denominada Joaquim, uma Session Ipa, estilo conhecido por ser uma versão de IPA com menor graduação alcóolica, alta drinkability e corpo médio para baixo. Com 5,5% e bastante equilíbrada, achei que a Joaquim (cerveja) bem dentro do estilo, recomendada inclusive para cervejeiros iniciantes. 

Rótulo criado pelo Léo para a Imperial IPA [2]
Interessante que o estilo adotado que atiçou minha curiosidade tenha sido uma Session Ipa, um dos estilo mais leves do universo da Ales, contrastando com o som pesado (e com letras críticas) da Mercy Killing. Mas seu rol de cervas é mais amplo, sendo que até agora já fez, além da Session IPA, 4 receitas de Weizen, 3 de Red Ale, uma Strong Blond Ale e deve engarrafar uma Imperial IPA e outra Robust Porter, que já possuem um rótulo que leva o nome da banda. Léo ainda toca blues e classic rock na Brown Sugar. 

Por fim, percebe-se que cerveja artesanal pode sim harmonizar muito bem com o mais puro trash metal. Que o Léo continue fazendo essa ponte entre o bom e velho rock'n'roll com as as cervejas nacionais em uma livraria das mais autênticas. E espero poder degustar as mais pesadas em breve. 



Notas

[1] Foto acessada em https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&ved=0ahUKEwjm7Y2nxZDUAhUBOJAKHSn_AtAQjhwIBQ&url=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DvSHhNuzfwhw&psig=AFQjCNFThTnrEot3NhX0S_f_9dJYcbu8aA&ust=1495990569896333
[2] Imagem divulgada pelo Leonardo Barzi




sábado, 20 de maio de 2017

Cervejas Artesanais também aderem ao "Fora Temer"

Cerveja Fora Temer, produzida em uma assentamento do MST [2]



No momento em que a crise política alcança temperaturas mais elevadas, percebe-se que o universo das cervejas artesanais tem reagido com bom humor, demonstrando que além de produzir boas cervejas,  representa um terreno fértil para se posicionarem politicamente também.

Muito antes dos últimos escândalos envolvendo Michel Temer virem à tona, já haviam produções de cervejas artesanais se colocando contra esse governo desde o golpe. No ano passado, logo após a sua posse, a cervejaria artesanal Latino Americana, de um assentamento rural em Centenário do Sul, no norte do Paraná, lançava a cerveja "Fora Temer". Produzida por Viviane Leal Dantas e Igão de Nadai, a "Fora Temer" com uma produção limitada a 40 litros por semana foi um sucesso imediato. Ela é produzida em 4 estilos [1]:

- American IPA, que costumam ser bastante lupulada e com notas cítricas (ou até mesmo de maracujá, dependendo do lúpulo);
- American Pale Ale, um pouco menos amarga e com menor teor alcóolico em comparação com a IPA;
- Stout: cerveja escura, mais encorpada que costuma ter sabor de maltes tostados; e
- Weiss: cerveja de trigo, com espuma densa, alta carbonatação, que costuma ser muito apreciada por bebedores iniciantes pela ausência de amargor.

A Cervejaria surgiu há dois anos quando Igão, educador, conheceu uma cerveja caseira de um amigo. Chamou um amigo colombiano e começaram a fazer juntos de brincadeira, ao som de um boa música latino-americana [2]. Infelizmente eu ainda não tive a oportunidade de degustar nenhuma "Fora Temer" e receio que, agora, se eu não me agilizar, logo será tarde demais.  Na 2ª Feira Nacional de Reforma Agrária do MST realizada no início deste mês em São Paulo, as cervejas foram um imenso sucesso.


Fora Temer '"carioca" - Harmoniza com Democracia [2]
Na onda dos cervejeiros politicamente corretos e engajados, "Fora Temer" também serviu para batizar outra cerveja artesanal produzida no Rio de Janeiro pelos cervejeiros caseiros Diogo Cavalheiro (filósofo) e Luiz Assis (aposentado), lançada no final do ano passado na Cervejaria Leopoldina. no bairro Riachuelo, no Rio de Janeiro. 

Assim como aquela produzida no norte do Paraná, eu ainda não experimentei a Fora Temer carioca, mas numa próxima ida à Cidade Maravilhosa, tentarei encontra-la [3]. 

Além da Fora Temer, a cervejaria Leopoldina serviu de local para envase das cervejas feitas no I Encontro Nacional de Cervejeiras Feministas em janeiro deste ano. Isto porque a esposa do Diogo Cavalheiro da Fora Temer, Leinimar, toca um projeto de produção de cerveja entre mulheres chamado Cerveja da Mulher Guerreira - Artesanal e Feminista, constituída por 9 mulheres, muitas crianças e histórias. Uma das cervejas produzidas por elas é a Mahin, uma red ale que presta uma justa homenagem à Luísa Mahin ou Kehinde, uma mulher negra que lutou pela abolição da escravatura no Brasil no Século XIX. A cerveja da mulher guerreira. Vale a pena conhecer esse espaço e dar apoio a essa galera! Para maiores informações, visitem a página delas no facebook: https://www.facebook.com/Cerveja-da-Mulher-Guerreira-Artesanal-e-Feminista-1984215361805614/

Essa forma bem humorada de manifestação política não se restringe ao Brasil. Na Ucrânia também temos exemplo semelhante proveniente da cidade de Lviv, onde inclusive funciona um museu dedicado à cerveja.


A Pravda Beer Theatre lançou, há um tempo, uma linha de cervejas batizadas com nome de políticos mundiais que acredita serem responsáveis pela crise que se abateu também por lá. Três cervejas foram criadas [4]: 


- "Obama Hope", uma Stout que tem o ex-presidente (na época era o atual) dos EUA no rótulo, ao lado de Hommer Simpson e John McCain. Representava a esperança para mudar os rumos da Ucrânia naquela época;

Rótulo da Obama Hope
 - "Putin Huilo", uma Belgian Golden Ale cujo nome é uma expressão agressiva contra o chefe de Estado russo; e 

- "Frau Ribbentrop", uma witbier (estilo belga que leva trigo, casca de laranja e semente de coentro)m que faz piada com a chanceler alemã Angela Merkel, por suposta relação com a Rússia (Von Ribberntrop foi ministro das relações exteriores nos anos 1930 na Alemanha Nazista, acusado de crimes contra a humanidade)

Particularmente, acho injusto e exagerado comparar Ângela Merkel com um nazista. Mas isso é a perspectiva de um ucraniano e não tenho conhecimento sobre fatos que o levaram a fazer essa comparação. Mas enfim, seja na Ucrânia, seja no Brasil, vejo com bons olhos que cervejeiros se posicionem politicamente, até porque fazer cerveja artesanal por si só já é um ativismo. Que venha logo a cerveja "Foi-se Temer" ou ainda "Diretas Já!". 

Notas: 
[1] Informações e foto obtidas em http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/05/puro-malte-e-sem-transgenico-cerveja-fora-temer-e-sucesso-na-feira-do-mst

[2] Informações e foto obtidas em http://www.terrasemmales.com.br/sucesso-de-vendas-pela-internet-cerveja-artesanal-fora-temer-e-feita-no-parana/

[3] Informações e foto obtidas em https://www.facebook.com/pages/Cervejaria-Leopoldina/468402203336101

[3] Informações obtidas em http://www.fest.lviv.ua/en/news/126-frau-ribbentrop-vzhe-u-teatri-pyva-pravda/

domingo, 14 de maio de 2017

Destroy #17: quando o graffiti se encontra com a cerveja artesanal

Capa da Destroy #17

No início do mês de maio foi lançada a revista Destroy #17. Trata-se de uma publicação que tem como objetivo divulgar o graffiti em Curitiba. Feita com material gráfico bem elaborado, tem uma tiragem de 300 cópias, cada uma costurada à mão. Com detalhes na capa em serigrafia, a revista conta ainda com uma fotografia revelada em papel na folha de rosto. No exemplar que comprei, fui presenteado com a imagem de uma frase da escritora Giovanna Lima (assina G.L.), pintada em muro: 

Foto impressa na revista (papel fotográfico) com imagem de escrito da G.L.

Enfim, uma publicação autêntica e diferente que, para mim, serve para desmistificar um pouco o universo do graffiti, ajudando a vê-lo sem o filtro preconceituoso da mídia tradicional que nada entende da linguagem e da demanda da população jovem que reside nos bairros mais periféricos dos grandes centros.

Para quem, como eu, que não entende muito de graffiti e de arte nas ruas, recomendo se despir de preconceitos e conhecer as histórias de quem está nessa. E para isso, desde 1998, a Destroy tem prestado um excelente serviço. 

Entre seus relatos divulgados, é possível perceber que o graffiti é um caminho a ser seguido dentro do ambiente de quem nasce estigmatizado por uma sociedade classista e racista. É uma forma de expressão por parte daqueles que cresceram levando geral da polícia, tendo que se acostumar com uma repressão naturalizada inclusive pelos meios de comunicação tradicional. 

Artigo sobre a cervejaria Xamã
E o que a Destroy e a divulgação da arte das ruas tem a ver com cervejas artesanais? A resposta está no fato de que nessa publicação, há espaço para um breve relato da história da Cervejaria Xamã orgulhosamente assinada por mim. Depois que conheci não só suas cervejas, como também sua história e cheguei a apresentá-la aqui no Blog, o trio cervejeiro responsável por ela me convidou para essa nobre tarefa.

Com a experiência de uma cervejaria que sempre desenvolveu suas produções através de parcerias com coletivos culturais, quem sabe em breve não teremos outra cerva deles que busque dar sabor à arte do graffiti. Aguardemos... 

Enquanto isso, vale a pena conhecer a Destroy, disponível em seis locais em Curitiba (ver na sua página no Facebook), incluindo simpática Joaquim Livros & Discos (rua Alfredo Bufren, 51, no centro de Curitiba), que sempre priorizou a divulgação de cultura na cidade, inclusive com bate-papos com artistas dos mais diversos, como com o André Abujamra há uns meses (quando estive presente). Vale a pena passar lá para conhecer não só a Livraria, mas adquirir a Destroy e outras publicações referentes ao tema, como o livro "Espelho da Cidade", organizado por Cimples, um dos responsáveis pela Destroy.

Aliás, a Joaquim Livros & Discos passou também a fazer suas próprias cervejas, ainda que edição bem limitada. Presenteado pela Carol, minha esposa, estou com uma Session IPA na geladeira aguardando para ser degustada em breve. Assim que tomá-la, divulgarei aqui. Mas boa coisa deve ser...

Session IPA da Joaquim Livros & Discos


domingo, 7 de maio de 2017

Belém com sabor de cerveja: Amazon Beer

Red Ale Priprioca, da Amazon Beer

Eu te procuro porque
Você me leva à loucura
Quando você me beija 
Com esse corpo suado e essa boca molhada 
Com sabor de cerveja.. 
(Louco Desejo, música de Dona Onete)

Recentemente tive a oportunidade de assistir um show de Dona Onete, cantora paraense de carimbó chamegado. Trata-se de uma professora de história aposentada descoberta pelo grupo Coletivo Rádio Cipó, quando já tinha mais de 60 anos. Passou então a ser protagonista de músicas e gravou seu primeiro álbum em 2012, com 72 anos e agora, aos 77, está no auge da carreira após gravar o excelente disco Banzeiro. Pegando as palavras do Xico Sá, "moçada, mire-se no exemplo de Dona Onete, 77 anos de peleja, ciência da vida e carimbó chamegado".

Para mim, Dona Onete foi mais uma gratíssima surpresa cultural vinda do Pará, que se junta a artistas como Felipe Cordeiro, que no clipe da música Legal e Ilegal ironiza a cerveja de "flocos de milho" (ver clipe abaixo), só para citar alguns mais conhecidos músicos que atualmente tem contribuído para confirmar o momento extremamente feliz que atravessa esse estado nortista do país.


.
Opa...pera lá...esse blog não é destinado à divulgação de cervejas artesanais? Por que estaria eu aqui falando de música paraense além do clipe de Felipe Cordeiro ou da letra suingada de "Louco Desejo" da Dona Onete?

Pois é, no caso, a música paraense entrou aqui como introdução à descoberta pessoal não só em relação à música, mas também à cerveja, que fiz há exatos dois anos quando estive pela primeira vez em Belém do Pará.

Até então, minha referência de cerveja paraense era a velha Cerpa, fundada em 1966 por um imigrante alemão. Lembro que nos anos 1980, observava meu pai elogiando aquelas pequenas garrafas de Cerpa Export, uma cerveja  denominada "premium" obtida a duras custas que, naquela época, se diferenciava das Brahmas e Artacticas que dominavam o mercado. Mas eram outros tempos...

Chegando em Belém, descobri que o universo cervejeiro de lá vai muito além das Cerpas (sem desmerecê-las). Na moderna Estação das Docas, ao lado do famoso mercado de produtos e especiarias do Ver-o-peso, há uma microcervejaria que comprova que a revolução artesanal em andamento chegou também até a região amazônica.Trata-se da Amazon Beer, nome escolhido a dedo com alto poder de marketing. Junto com alguns de seus tanque de fermentação funciona um bar com um visual incrível e ambiente acolhedor.

Segundo o empresário responsável pela Amazon Beer, Arlindo Guimarães, o projeto teve início em 2000, quando ele percebeu o sucesso desse movimento de cervejas artesanais nos EUA e viu exemplos bem sucedidos em diferentes pontos do Brasil como a Dado Bier e a Via Continental. Diante desse cenário, resolveu levar essa experiência para Belém, apostando em produzir cervejas não só com qualidade e diversidade das artesanais, mas introduzindo frutos, raízes e ingredientes regionais da Amazônia, personalizando suas cervejas.

IPA Cumaru, dugustada na Estação das Docas (Belém, PA)
Em toda estadia em Belém, experimentei diversos estilos de cervejas por lá e ainda trouxe algumas garrafas para degustar em casa. O site da Amazon Beer divulga sete estilos disponíveis: Stout Açaí, River Lager, Forest Pilsen, Forest Bacuri, Witbier Taperebá, Red Ale Priprioca, Cupulate Porter e Imperial IPA. 

Na época eu experimentei ainda a IPA Cumaru (que infelizmente parece que foi descontinuada). Tratava-se de uma IPA com adição de Cumaru, uma substância conhecida como "baunilha da Amazônia" que combina bem com o amargor caraterístico de uma IPA. Tinha uma coloração entre o dourado e o âmbar, límpida, e contava ainda com um leve aroma caramelado (ver foto acima). 

A Stout Açai também surpreendeu ao combinar bem o energético açaí com o malte tostado característico do estilo, resultando em uma cerveja que embora fosse forte, com 7,2 de teor alcóolico, caia bem até mesmo no calor paraense. Em 2014 recebeu o título de cerveja do ano no Festival de Blumenau.

Witbier Taperebá, trazida para Curitiba
Destaco ainda a Witbier Taperebá, famoso estilo belga de cerveja de trigo com notas cítricas e condimentadas, que, no caso da Amazon Bier, acresceta Taperebá, conhecido também como Cajá, aumentando a sua refrescância, Esta cerveja ganhou medalha de ouro no South Beer Cup, além de ter faturado medalha de bronze na categoria Fruit Wheat Beer no V Concurso Brasileiro de Cerveja disputado em Blumenau.

Nesse importante concurso, a Amazon Beer ainda recebeu medalha de prata na categoria French & Belgian Style Saison  pela Saison Puxuri, desenvolvida em parceria com Pete Slosberg, Fal Allen (da Anderson Valley) e Sean Paxton com adição de Puxuri, uma especiaria da região amazônica. Essa experiência foi registrada em um vídeo, que relata um pouco sobre a história da Amazon Beer:  



  
Outra medalha de prata obtida foi coma Forest Bacuri, no estilo Brazilian Beer com frutas. Com todo esse sucesso, atualmente conseguem levar suas cervejas para outros cantos do país. Em Curitiba, por exemplo, a Bodebrown (cervejaria que merece postagem específica), disponibiliza as preciosidades  da Amazon Beer em sua loja.


Enfim, percebe-se que assim como na música, Belém do Pará tem nos brindado com excelentes cervejas artesanais, graças às inovações da Amazon Beer. Afinal, Belém é muito mais do que flocos de milho com cerveja no velho punk, como diria Felipe Cordeiro.




sábado, 29 de abril de 2017

Cerveja também é Cultura!

Centro de Cultura Cervejeira Toca da Mangava


Nos últimos anos, com a propagação cada vez maior do hábito de tomar cerveja artesanal, incluindo desde aquelas caseiras, feitas na panela por apaixonados amadores, até as microcervejarias, que ocupam cada vez mais espaço nos bares e mercados, ampliando consideravelmente a oferta em termos de estilos e qualidade, percebe-se que há algo a mais do que simplesmente a bebida em si.

Trata-se de uma cultura cervejeira. E isso envolve curso, encontros, eventos, festivais, enfim...uma série de atividades ligadas diretamente à cerveja artesanal que vai muito além do seu consumo propriamente dito. Em Curitiba, por exemplo, só nesse final de semana, há dois eventos relacionados a isso.

Cartaz do Concurso [2]
Um deles é o IV Concurso Sul Brasileiro de Cerveja, organizado em conjunto pelas Associações de Cervejeiros Artesanais (ACervAs) dos três estados do sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Nesse concurso serão avaliadas até 400 amostras de cervejas caseiras de diferentes estilos por cerca de 30 juízes BJCP e 30 auxiliares. Aliás, em Curitiba um Grupo de Estudos tem se reunido regularmente com a missão de aprimorar os julgamentos e ampliar o número de juízes BJCP. Imagino que em outros municípios, algo semelhante tem ocorrido. Esse assunto merecerá ainda uma postagem específica [1].

O outro evento, gratuito, ocorre hoje (29/04) no Museu Oscar Niemayer (MON): The Brazilian Way, Promovido pela Way Beer, são oferecidos rótulos de cervejas especiais preparadas com ingredientes regionais, juntamente com música e comidas tipicamente nacionais. Além de rótulos mais temáticos como a Sour Me Not - Goiaba, a Sour Me Not - Acerola, a JabutiGose e a Coffe Brown Ale; a Way ainda vai disponibilizar toda sua gama de cervejas que se destacaram ao longo dos seis anos de história. Em breve, a Way merecerá uma postagem específica nesse blog. A má notícia é que os ingressos estão esgotados. 

Cartaz de Divulgação do The Brazilian Way [3]
E os eventos se sucedem. No próximo final de semana, dia 7 de maio, Campagnolo, da Cervejaria Turbinada (também já relatada aqui) estará no restaurante Terra Preta, em Colombo na Região Metropolitana de Curitiba, para apresentar além de sua cerveja e hidromel, uma receita típica de porco no rolete, visando harmonizar com suas cervejas especiais.

O que ocorre em Curitiba, se repete em outros cantos do país. Em Campinas, por exemplo, a Toca da Mangava, tema na postagem anterior, é um perfeito retrato desse momento. Embora eu tivesse denominado corretamente que se tratava de um Centro de Cultura Cervejeira, acabei não aprofundando esse importante tema. De fato, não é apenas um local onde se faz e toma boas cervejas artesanais, mas há uma série de outras atividades relacionadas à propagação da revolução da cerveja artesanal.

Alfeu Júlio monitorando uma visita técnica à Toca da Mangava

Uma dessas atividades são cursos, como o de Produção de Cerveja Caseira, ministrado pelo Alfeu Julio, com três dias de duração ou o Workshop de introdução ao mundo das cerveja artesanal, com três horas de duração.

No próximo sábado, dia 6 de maio, será organizado um encontro com Matheus Aredes, da Escola Superior de Cerveja e Malte (ESCM) de Blumenau tendo como tema lúpulos. Além disso, eventualmente convidam colegas cervejeiros de diversos cantos do país para falarem sobre suas produções em um evento batizado como "Grandes Micro Cervejarias do Brasil" que invariavelmente acaba com uma mini degustação das cervejas do convidado. Já estiveram presente a Bamberg (Votorantim), Dama (Piracicaba), Dortmund (Serra Negra), Sauber (Mogi Mirim) e Votus (Diadema). 

Por fim, ainda existe o um grupo de cervejeiro caseiros que se reúnem uma vez por mês na Toca da Mangava para compartilhar suas criações cervejeiras, tal como eventos da ACervA-PR que ocorrem em Curitiba. Com cerca de 50 inscritos (média de uns 12 por encontro), esses eventos são bem descontraídos e costumam terminar com um racha de pizza entre os participantes.

Tudo isso evidencia como as cervejas artesanais têm, de fato, representado uma verdadeira revolução não apenas na qualidade da cerveja em si, mas sim em hábitos e costumes entre os seus cada vez mais fieis adeptos. Não é exagero falarmos em cultura cervejeira diante do atual contexto.

Notsa: 
[1] Beer Judge Certification Program (BJCP) é uma entidade sem fins lucrativos, fundada em 1985 nos EUA responsável por certificar e qualificar julgadores de cerveja através de exames e monitoramento. Entre um dos principais objetivos está o desenvolvimento de ferramentas, métodos e processos padronizados para uma avaliação, classificação e feedback de cerveja, hidromel e cidra.

[2] Imagem obtida no Boletim Informativo Acerva Paranaense: https://www.yumpu.com/pt/document/view/58150384/boletim-informativo-acervapr-abril-2017

[3] Imagem obtida em https://www.facebook.com/events/2020669608160455/



sexta-feira, 21 de abril de 2017

Toca da Mangava: onde a cerveja e a boa música se encontram


Body and Soul da Toca da Mangava, minha preferida no dia.

No dia 1º de abril, juntamente com grandes amigos, tive a oportunidade de conhecer a Toca da Mangava, um Centro de Cultura Cervejeira (como seus proprietários gostam de definir) em Campinas (SP), mais especificamente no distrito de Sousas. Lugar rústico e extremamente agradável, a cervejaria funciona na mesma casa em que são feitas as cervejas. Um dos seus proprietários, o engenheiro de alimentos Alfeu Julio nos guiou por uma visita pelas instalações, nos apresentando orgulhosamente não só o processo de brassagem das cervejas, mas também contando um pouco da sua história. 

Alfeu Júlio apresentando sua microcervejaria
O nome Toca da Mangava vem do fato de que logo nas primeiras brassagens, tiveram que conviver com uma vespa mangava (conhecida também como mamangava), provavelmente atraída pelo cheiro doce exalado no processo de mosturação. Intrigados, os cervejeiros descobriram que a toca da Mangava ficava exatamente no local escolhido para fazer a cerveja. E descobriram que ainda que a Mangava tem, como característica, o fato de que se trata de um inseto que voa sem que tenha características aerodinâmicas para isso (sua cabeça é muito grande e as asas muito pequenas) [1]. Resolveram adotar o nome então, utilizando a superação da vespa como inspiração para eles.

Naquela ocasião, a Toca da Mangava estava lançando a Mr. Rabbit, uma Robust Porter com cacau. De modo geral, a denominação do estilo Porter (carregador em inglês) tem sua origem no século XVIII quando Ralph Harwood, proprietário de uma antiga cervejaria em um bairro operário de Londres resolveu criar uma cerveja bastante robusta para alimentar os carregadores que ali viviam. Com sabor moderadamente forte, a presença de cacau casou bem com malte queimado, dando à cerveja uma aparência bem escura e uma espuma bege. Quem tiver interesse em conhecer, nesse final de semana (de 21 a 23 de abril), a Toca da Mangava está participando do Festival Cultura Cervejeira em Campinas.

Mr. Rabbit teve seu nome inspirado em uma canção. Trata-se de uma música folk que foi brilhantemente gravada em 2002 por Paul Westerberg, no álbum Stereo. Ex-vocalista dos Replacements, banda de punk rock dos anos 1980 de Minneapolis, EUA, Paul Westerberg fez um arranjo bem consistente a essa canção, agora imortalizada na cerveja. 

Assim como a Mr. Rabbit, lançada naquela ocasião,  as demais cervejas feitas na Toca da Mangava têm seus nomes de batismo inspirados em canções (inclusive tem uma lista no Spotify para que possamos escutar suas cervas - procurem a playlist "TOCA Inspirações"). Aproveitando a opção que o cardápio dispunha de uma degustação geral, experimentamos as outras cinco cervejas, começando pela Move, designada como sport beer devido à sua leveza e baixo teor alcóolico, que leva o nome de um clássico do jazz de Denzil Best, imortalizada por Miles Davis.
As outras quatro cervejas, que fazem parte do portfólio fixo, são as seguintes:

  • Pretty Woman -  um blonde ale que homenageia  esse rock de Roy Orbison dos anos 1960 (e regravado por vários outros, incluindo Van Halen);
    Summertime, a APA bem assertiva, da escola americana
  • Body & Soul - uma belgian blond ale (a que mais apreciei no dia) que presta justa homenagem a esse clássico do jazz, conhecido tanto pela interpretação de Sarah Vaughan, como também por um dueto espetacular de Tony Bennett com Amy Winehouse (vale a pena assistir no Youtube, de preferência tomando a cerveja)
  • Summertime - uma APA com sabor bem assertivo. Uma das melhores canções de George Gershwin, tantas vezes regravadas por vozes das mais diversas (eu, particularmente, tenho a interpretação da Janis Joplin como uma das melhores músicas da história).
  • Black Bird - uma Porter, batizada em homenagem a uma das mais belas composições do Paul McCartney, que teve como inspiração os conflitos raciais da década de 1960 nos EUA.

Toda essa relação da cervejas da Toca da Mangava com a música é algo natural. Seu mestre cervejeiro, Alfeu Julio, tocava cavaquinho e fazia vocal no  grupo Bons Tempos, um excelente conjunto de samba de raiz, Em 2005, o Bons Tempos gravou um excelente CD e DVD do espetáculo "Ary, o Brasileiro", baseado na obra de Ary Barroso. No Youtube é possível assistir um pouco o lado artístico desse cervejeiro: https://www.youtube.com/watch?v=SnAtpnGjtx4

Grupo Bons Tempos (Alfeu é o 4º da esquerda pra direita) [2]

Mais recentemente (em 2012), Alfeu voltou a subir aos palcos com o grupo Lá se Vão Meus Anéis (com outros dois integrantes do Bons Tempos), tocando clássicos do samba de raíz novamente.

Que Alfeu e seus sócios continuem inspirados por muito mais tempo para nos brindar com outras boas cervejas artesanais que celebrem a boa música. 


Notas:
[1] Informações repassadas por Alfeu Julio durante a visita guiada à fábrica, e que se encontram disponível no site oficial da Toca da Mangava.

[2] Foto obtida em http://www.blognarua.com.br/category/sem-categoria/page/15/. As demais fotos são de minha autoria.