quarta-feira, 26 de julho de 2017

Cervejas artesanais: das caseiras do Leonardo Soares às microcervejarias

Aquallungi, uma autêntica cerveja artesanal Belgian Tripel, do Leonardo Soares

Uma pausa hoje para explicar alguns conceitos que tenho utilizado que podem confundir um pouco.

Basicamente, o foco deste blog são cervejas artesanais e assuntos correlatos. Mas o que viria a ser cervejas artesanais? O que quero dizer como isso? Quais seriam os preceitos fundamentais para que eu denominasse uma ou outra cerveja como artesanal?

Capa do Livro citado de Steve Hindy
Bem, vamos com calma. Há uma série de definições, uma mais restritivas e outras mais abrangentes, mas para efeito do presente blog, pretendo adotar a definição de que cervejas artesanais são aquelas cujo cervejeiro é o responsável direto pela receita e pelo seu estilo. Não está lá apenas cumprindo uma determinação externa, provenientes de uma estrutura hierárquica. Para ir mais longe, podemos ainda citar a definição utilizada por Steve Hindy |(autor do livro Revolução da Cerveja Artesanal) de que as cervejarias artesanais devem manter-se pequenas, "ser independentes e todas as cervejas devem ser de malte (em lugar de aditivos de arroz e milho usados pelas grandes cervejarias)" [1]. Nesse sentido, cervejarias que iniciaram independentes, mas foram adquiridas por alguma grande corporação, como a Eisenbahn ou a Wals, não considero como artesanais.

Isto posto, temos um grande universo de cervejeiros artesanais. Entretanto, há diferenças nesse meio. Basicamente podemos dividir as artesanais em dois grandes grupos: os cervejeiros caseiros e as microcervejarias. Essa divisão aqui adotada não tem a pretensão de ser uma linha definitiva e instransponível, nem tampouco considero a única conceituação aceitavel. A transformação de um cervejeiro caseiro em microcervejaria pode ocorrer de forma gradual. Muitas das que tenho citado aqui encontram-se no meio do caminho entre caseiras e microcervejarias. 

Os cervejeiros caseiros são aqueles que fazem cerveja em suas próprias residências, com pouco espaço, investimento menor ainda e muita (mais muita mesmo) criatividade. Fundamentalmente são amadores, ou seja, possuem uma outra atividade profissional e tem, na brassagem, muito mais um hobby, ainda que levado cada vez mais a sério. Trata-se de um grupo que tem crescido exponencialmente e está sempre em busca de ampliar seus conhecimentos, fazer cursos, se aprimorar.

Um exemplo clássico de cervejeiro caseiro em Curitiba é Leonardo Soares. Geólogo da Intertechne, descobriu em outubro de 2011 que era possível fazer cerveja em casa quando conheceu a Hop'n Roll. Desde então, comprou o equipamento necessário, fez as devidas adaptações e resolveu transformar a garagem do sobrado onde reside em sua própria cervejaria. Em 2015, quando eu comecei a me interessar em fazer cerveja em casa, tive a oportunidade de acompanha-lo na brassagem de uma Belgian Tripel, batizada de Aquallungi. Cerveja, aliás, que ficou muito boa, com aroma cítrico e bem equilibrada.

A estrutura que ele preparou me surpreendeu: em um pequeno espaço organizou tudo meticulosamente, e apresentava uma disposição perfeita de cada equipamento. Como cereja do bolo, a receita copiada em giz na parede pintada com tinta de lousa. Nos fundos da casa, uma velha geladeira adaptada para ser o fermentador.

Leonardo Soares (camiseta branca) em sua cervejaria na própria garagem
Tal como outros caseiros, Léo tem sempre procurado se aperfeiçoar fazendo cursos e se capacitando também para julgar cervejas (já obteve certificado da BJCP). Enfim, é um estudioso do tema. Sua produção acaba sendo mais para seu próprio consumo, além de repassar a amigos. Até hoje já foram 52 levas de cervas, além de um hidromel. 

Como bom cervejeiro caseiro, tem sempre um toque de irreverência. Quando sua primeira filha nasceu, ele fez uma baltic porter que transformou em lembrancinha para quem visitassem a filha, com as garrafas batizadas com o nome dela e uma pintura de aquarela feita por sua esposa no rótulo.

Desde então, ganhou o primeiro prêmio com uma tripel, obteve um 3°lugar nas belgas em 2015 e o outro em 2016 com uma strong bitter inglesa, primeiro lugar na categoria e 3° no best of show, ambos concursos paranaenses

Em termos de organização, muitos desses cervejeiros caseiros são associados à Acerva, no caso do Paraná, Acerva-PR, que serve como uma espécie de rede de cervejeiros e contribui para que comprem insumos em consumo, obtendo melhores preços. Além disso, sempre se encontram em diferentes cursos ou concursos.

Já as microcervejarias são aquelas já mais estruturadas, com um investimento bem maior e seus responsáveis são profissionais dessa atividade. Vivem de fazer cerveja. Essas microcervejarias são detentoras de rótulos já disponíveis em mercados (já conseguiram registro no MAPA) e conseguem atingir um público maior até mesmo fora de suas sedes. Acabam tendo um papel importante na divulgação de cervejas artesanais. Em Curitiba e região há um grande universo dessas microcervejarias, tais como a Bodebrown, Way, Bier Hoff, Dum, Klein, etc.

Obviamente não estou aqui fazendo um tratado e essas definições tem pura e simplesmente um caráter didático, sujeito a questionamentos. Como sociólogo, não me sentiria à vontade em continuar escrevendo sobre um tema tão fascinante, sem conceituá-lo minimamente. O que importa aqui é que tanto os cervejeiros caseiros como as microcervejarias mais estruturadas, podem se enquadrar como cervejas artesanais no meu conceito adotado e, juntas, fazem parte de revolução em curso. 

Um brinde a todos artesanais que aqui se enquadram.



Nota:  [1] HINDY, Steve. A Revolução da Cerveja Artesanal, ed. Tapioca, 2014.





sábado, 15 de julho de 2017

Revolucionários artesanais: Julio Rossi e sua Volante Birra



Volante Birra [1]

Em abril desse ano, estive em um evento noturno na Sapatilha Colorida, moderna loja de calçados situada no Alto da Glória, e me deparei com uma bela kombi retrô estacionada na frente, que trouxe cervejas artesanais. Tratava-se da Volante Birra (clique aqui para mais informações)

Torneiras da Volante Birra no evento
Para dar conta da diversidade de público, havia cinco opções de estilos e marcas de cervejas artesanais distintas do Paraná:

  • Pilsen, da Nashville
  • Weiss, da Oner
  • Apa, da Insana
  • Dry Stout, da Oner; e
  • IPA (não me recordo o nome da microcervejaria).
Julio Rossim [1]


Seu proprietário é Julio Rossi, roqueiro, tricolor carioca e apaixonado por cachorros, é também um grande apreciador de cervejas. Fotógrafo e músico, ele começou a pesquisar e testar as primeiras receitas de cerveja no começo de 2015. Toda a facilidade que se tem hoje de encontrar equipamentos e insumos acabou ajudando-o a ingressar nesse meio. Fez um curso básico de produção de cerveja com extrato e ingressou de vez no meio cervejeiro.

No final de 2015, realizou um antigo sonho e adquiriu uma kombi antiga. Após 8  meses reformando-a, acabou deixando nos trinques e transformou-a na Volante Birra, um loja móvel que junta duas paixões: a cerveja artesanal e kombi antiga.A sua ideia com a Volante Birra é participar de eventos em diferentes lugares e divulgar cervejas artesanais de estilos diferenciados para um público ainda não tão familiarizado em muitos casos. Com isso, acabou se transformando em mais um personagem do mundo cervejeiro de Curitiba e região.

A Volante Birra busca equilibrar o gosto de seus cervejeiros com o do publico em geral conforme o evento, mas se tem uma cerveja que faz questão de disponibilizar é uma boa American IPA. Em algumas ocasiões, a Volante Birra já chegou a engatar cervejas de produção própria chamada Tropicália (nome muito feliz, por sinal). Tendo o cuidado de não avisar o público (para não influenciar nas opiniões) Júlio percebeu que as reações foram muito positivas. Como ele e seus parceiros gostam do ritual das panelas, isso acabou servindo como bom pretexto para juntar a galera e beber enquanto fazem diferentes variações de IPAs, ainda que a produção, por ora, se resuma a uma receita por mês.
Volante Birra em evento [1]

Nesse processo de produzir IPAs, tem uma história interessante. Após experimentar uma West Coast IPA (estilo que se caracteriza pelo uso excessivo de lúpulo em microcervejarias da costa oeste dos EUA), passou a ter como objetivo criar alguma receita que se aproximasse desse estilo. Em uma brassagem sem compromisso com um amigo, se distraíram e erraram feio a quantidade de água da receita. Mas para não desperdiçar, resolveram pagar pra ver e, depois de um tempo maturando, experimentaram e perceberam que tinha ficado muito boa, embora diferente do que se pretendia. Estudaram um pouco, fizeram testes e chegaram à conclusão que a pretensa West Coast IPA tinha se transformado uma excelente Session IPA (uma IPA mais leve, menos alcoólica e com menor amargor), cerveja da Tropicália com melhor retorno do público. Isso enfatiza um aspecto divertido do de cervejeiros caseiros: por não estarem preso a regras, é possível experimentar e errar bastante cada receita.

Júlio é um otimista em relação à revolução da cerveja artesanal em curso. Como consumidor, percebe que cada vez há maior disponibilidade de cervejas de diferentes rótulos e estilos. Abrem-se novos bares e criam-se novas cervejas de qualidade, ampliando o público interessado que cada vez mais migra das insonsas cervejas industrializadas feitas com milho para as cervejas artesanais. E como esse mercado tem-se ampliando, como distribuidor de cerveja ao melhor estilo retrô que caracteriza sua kombi, ele continua muito animado.

Que a Volante Birra continue rodando muitos quilômetros para difundir ainda mais a cultura cervejeira.


Nota [1]: as fotos dessa nota  foram obtidas na página do Facebook da Volante Birra (https://www.facebook.com/volantebirramobile/)






terça-feira, 4 de julho de 2017

Revolucionários Artesanais - Henrique Cruz "Giraia"

Henrique Cruz "Giraia", na brassagem

Hoje começaremos aqui a série Revolucionários Artesanais, que apresentará perfis de cervejeiros que têm desenvolvido um trabalho importante na divulgação da cerveja artesanal de diversas formas.

Há cerca de três meses, curioso a respeito dos concursos cervejeiros e incentivado pelo amigo cervejeiro já premiado Leonardo Soares, acabei me inscrevendo em um grupo de estudos para avaliar cervejas pelo Guia Beer Judge Certification Program - BJCP. Trata-se de uma galera que realiza encontros quinzenais para degustar de 7 a 10 cervejas de diferentes estilos visando preencher a súmula da BJCP e, em seguida. compartilhar as impressões e avaliações. Além de aprimorar a percepção em relação a cada estilo, serve para aprendermos mais ainda sobre suas características e nos atualizarmos com o Guia 2015. Esse grupo começou se reunindo na Masmorra e, posteriormente, migrou para a Mr. Hoppy.

E quem organiza isso tudo, correndo atrás das cervas, reservando espaço, juntando a grana da galera para compras, tirando cópias das súmulas, etc? É o Henrique Cruz, conhecido como Giraia, cervejeiro, juiz BJCP e figura cada vez mais conhecida no meio.

Grupo de Estudo para juízes da BJCP, organizado pelo Giraia

Certamente por trás disso, tem uma motivação muito particular. No caso do Giraia, o interesse por cervejas especiais e artesanais  começou entre 2006/07, quando foi fazer um intercâmbio na Bélgica por um programa do Rotary e conheceu de perto uma das principais escolas cervejeiras do mundo. Anos depois, já de volta à Curitiba, formado como tecnólogo em jogos digitais, passou a realizar diversos cursos na área cervejeira, a começar pelo já reconhecido curso de produção de cerveja na panela na Bodebrown em 2013 e o de Sommelier de Cervejas da Universidade Positivo (onde atualmente leciona). Depois disso, fez ainda diversos cursos pontuais, com destaque para a Pós graduação em Gestão e Tecnologia Cervejeira.

As duas cervejas da Hump já lançadas
E junto com o interesse, foi crescendo sua efetiva participação na divulgação do movimento cervejeiro. Em 2016, durante  o South Beer Cup, motivado por Fernanda Lazari da Morada Cia. Etílica (microcervejaria de Curitiba),  participou de uma competição de plano de negócio de cervejas. Foi quando surgiu a ideia de desenvolver a marca Hump, cujo nome decorre de histórias que escutava de Guilherme Comineze durante a pós em relação a um amigo de seu pai que criava camelos em Curitiba (isso mesmo!). Com o segundo lugar obtido na competição, Giraia se motivou ainda mais, contratou um designer e levou o projeto da Hump em frente até que em abril conseguiu lançar dois estilos: American Pilsner e American Pale Ale através de uma parceria com o Clube do Malte. Eu mesmo tive a oportunidade de degusta-la na Masmorra a versão no barril e gostei muito. O objetivo dele agora é finalizar questões legais e de investimento para regularizar o processo de produção e distribuição.

Paralelamente ao seu gosto por fazer cervejas, surgiu o interesse em julgá-las e, consequentemente, o interesse em se aprofundar na BJCP. Em 2015, quando  mandou amostras de suas cervejas caseiras pela primeira vez, passou a estudar para avaliar as cervejas e desde então, sempre que pode tem participado de concursos. Aprofundou seus conhecimentos, passou na prova da BJCP e começou a atuar também como juiz. Por ora, como Certfied (com 78 pontos), mas aguardando novos resultados, acredita passar logo dos 80 pontos, visando se preparar para a prova de NationalUma dificuldade para ampliar não só a sua participação, mas a de outros juízes bem qualificados é o aspecto amador, que faz com que cada um tenha sempre que arcar com os custos dessas participações, sem que os concursos banquem sequer hospedagem ou transporte, algo que já ajudaria muito.

Foi a partir desse seu comprometimento com concursos e com a melhoria de julgamentos que resolveu incentivar a formação de novos juízes através da criação de grupos de estudo (como esse que estou participando) ou até mesmo constituindo cursos específicos. 

Logo da Confrades
Com o perfil dinâmico característico dos protagonistas do cenário cervejeiro, em meados de 2016, quando seu colega (e agora sócio) LG o procurou apara promover um evento cervejeiro, surgiu a ideia de constituir a Confrades Beer Club.

Depois de um tempo moldando o projeto, agora - na metade de 2017 - a Confrades está saindo do papel. O objetivo da Confrades é ser uma espécie de hub cervejeiro, interligando a rede cervejeiras e realizando eventos como, por exemplo, atendimento a eventos in company , cuja demanda é cada vez maior.

Sob a cabeça criativa de Henrique Cruz, a ideia é criar uma espécie de clube, com uma anuidade para quem quiser ser membro e obter vantagens como descontos em estabelecimentos cervejeiros parceiros, além de oferecer uma vasta quantidade de cursos de diversas duração para todos os públicos, sempre focados no universo das cervejas. De fato, hoje há uma lacuna em relação a esses cursos básicos, já que o mercado oferece apenas algo mais específico, como curso de sommelier, que leva 40-50h aula.

Ou seja, temos no Giraia um personagem que joga nas onze: faz cerveja, julga a qualidade, dá cursos e organiza eventos no cenário cervejeiro. Que toda essa energia do Giraia contribua ainda mais para canalizar forças em torno da verdadeira revolução das cervejas artesanais em curso.  


Nota: todas as fotos foram obtidas na página do facebook do Henrique Cruz:
https://www.facebook.com/giraiacruz/photos_albums?lst=1157563379%3A100000608827247%3A1499220426